Homem invisível

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Por Anderson Estevan – Texto publicado também em Outras Estórias

O homem invisível caminhava, lento, vagaroso, esquivo. Quase arrastava-se, com medo de que quando alguém lhe tocasse, num grito, toda a sua invisibilidade pudesse desaparecer, transformada num rompante em violência gratuita.

O homem invisível tinha muita fome, mas não podia comprar nada, pois não podia conseguir um trabalho, afinal, ninguém poderia contratar alguém que não poderia ser visto.

Pensou em pedir algum dinheiro, pois a sua voz poderia ser ouvida, mas também não obteve o resultado que gostaria. A maioria não o escutou, estavam inebriados em seus fones de ouvido e conversas cotidianas. Outros assustavam-se com o som da voz do homem invisível e corriam, desconcertados, com lagrimas nos olhos.  Um terceiro tipo, raro, podia escutá-lo perfeitamente, mesmo sem vê-lo, deixavam algumas moedas no chão e seguiam seu caminho.

Porém, invisível, como era o homem não conseguia comprar nada. Quem venderia para alguém invisível? No seu tempo livre, que era todo o tempo possível, homem invisível gostava de caminhar pelos viadutos da cidade. Não havia nada mais bonito, ao menos ao homem invisível, do que o colorido dos grafites que rompiam o cinza da cidade. Assim como ele, os grafites também eram invisíveis.

Assim passaram-se estações. E, com um estalo mental, o homem invisível descobriu como poderia ser visto. Bastou um salto, um movimento, calculado a exaustão, para que todos o enxergassem.

Um dia, estatelado, o homem invisível jazia, morto, em uma poça de sangue rubra em uma dessas avenidas em que adorava caminhar. Sob os olhares das pinturas urbanas, o homem invisível, magicamente pôde ser visto, não em sua completude, mas parcialmente, miserável e com os pés descalços.

Atrapalhando o tráfego, como o operário de Chico Buarque, o homem, apenas homem, quebrou a sua mais intensa maldição, morrendo diante de toda glória que poderia ter, notado em uma segunda-feira de janeiro.

7 responses to “Homem invisível

  1. Eu realmente gosto muito dos seus textos. Estou bem em falta por aqui, mas estou aproveitando pra dizer que indiquei o blog pro DARDOS. Acho que já ganharam e devem ter ganhado muitos, mas gostaria que soubessem que eu também estou entre os que admiram esse trabalho.
    Bjoooo

    Dardos 2

  2. Texto simples e fantástico!!! O problema da invisibilidade que afeta seres que nem humanos são considerados… E os visíveis egoístas dessa geração que não sente dor.

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